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PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio


2021 chegue, mas chegue manso
Juliana Petermann 
Professora universitária

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O ano de 2020 demorou tanto para passar e, ao mesmo tempo, passou tão rápido que parece que não há calendário suficiente para tanto recomeço. O ano que não começou parece que não querer terminar e se segura nos ponteiros do relógio. Começaremos 2021 assim como passamos pelo 2020. Mais em casa do que gostaríamos. Distantes das pessoas, dos abraços e também distantes de soluções para os nossos problemas.

Enquanto país, terminarmos 2020 tão desamparados que nem a pior das previsões daria conta de supor. Vimos a ciência ser descreditada e a imbecilidade ser usada como estratégia política. Vimos o mundo encontrar antídoto e vimos 300 pessoas na Avenida Paulista protestando contra.

FIASCO

Agora, incrédulos, acompanhamos nossos vizinhos tomando vacina enquanto não temos sequer seringas. Inertes recebemos a notícia de que a nossa moeda foi a que mais desvalorizou no mundo e que não há nenhum plano para sair desse buraco. Enquanto o país morre, empobrece, queima e míngua, aquele que deveria ser nosso líder tergiversou durante o ano inteiro: falou da China, da piscina, da gasolina, negou a pandemia, negou o racismo. Negou saber onde estava o ex-assessor do filho que, vejam só, estava na casa do seu advogado! Negou Biden (e não esqueçamos do amor não correspondido, manifesto na declaração "Trump I Love you", e que recebeu como resposta "É bom ver você". Fiasco ainda no ano de 2019).

Fanfarrão, assustou emas e o país inteiro com cloroquinas, provocou aglomerações e polêmicas enquanto deveria ser exemplo. Propôs auxílio de 200 reais, dizendo que 600 reais era "muito". Foi voto vencido e, ainda assim, na ONU, bravateou um auxílio de 1000 dólares. Faz campanha política enquanto deveria governar. Bufão, fez piada com a morte. Negou a fome em nosso país. Diante de tudo isso, classificar sua postura como um comportamento de quinta série é, sem dúvida, um desrespeito.

DEVOLVA-NOS A SENSIBILIDADE

2020 você exigiu um tanto de queixo para cair hein? 2021 nos desacostume de nos acostumarmos com absurdos. Traga consigo a valorização da ciência, da educação e da razão. Oferecemos-lhe esperança, devolva-nos em humanidade. Em compaixão. Tire da gente essa casca grossa, esse coração de pedra de quem já não se surpreende. Retire-nos da apatia e devolva-nos sensibilidade.

Enquanto país, lhe oferecemos jogo de cintura, devolva-nos em lucidez. Oferecemos-lhe resiliência, devolva-nos em pensamento crítico. 2021, chegue manso, mas nos devolva a indignação.  


Ano novo
Eni Celidonio 
Professora universitária

style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Oba! Já é Ano Novo! Acabou 2020 e chegou 2021! Alvíssaras!

Todo ano me lembro de uma canção de Chico Buarque, que era mais ou menos assim: ''O rei chegou e já mandou tocar os sinos na cidade inteira E pra cantar os hinos, hastear bandeiras. E eu que sou menino muito obediente, estava indiferente e logo me comovo, pra ficar contente porque é Ano Novo''.

O ano era 1967. Começava, no Brasil, uma nova Constituição. Em março, Castelo Branco daria posse ao segundo presidente militar: o marechal gaúcho Arthur da Costa e Silva. E fevereiro houve uma reforma monetária que instituiu o cruzeiro novo. Grupos armados de esquerda se organizavam, nos campos e nas cidades. O governo cria o Centro de Informações do Exército (CIE). Aumentam as denúncias de torturas e presos políticos. Surge o movimento tropicalista.

Esse era o Ano Novo ao qual Chico se referia: tudo novo! E não é a toa que "eu que era menino muito obediente, estava indiferente e logo me comovo, pra ficar contente porque é Ano Novo"... A ditadura entendeu o recado, uma crítica à alegria por decreto que o governo gostaria que reinasse entre os brasileiros. É claro que, durante um tempo, sua execução em rádio foi proibida.

SOU BRASILEIRA, NÉ?

Por que sempre me lembro disso? Querem que eu desenhe? Sou brasileira, né?

Não faço listinha para o Ano Novo. Aliás, nunca fiz. Nesse assunto, sou toda produzida no Zeca Pagodinho: deixa a vida me levar... Tenho muita inveja de gente que estipula metas para o ano que chega. Eu não sei nem o que vou fazer hoje à tarde. Sério, esse negócio de ter tudo certinho, bonitinho, escrito num papelzinho nunca fez parte do meu show.

Passei o dia 31 de dezembro em casa: eu, Celso e nosso cachorro. Não houve confraternização, não houve queima de fogos em Copacabana, nada... Os fogos em Copacabana são uma espécie de catarse. Desculpem o bairrismo, mas não tem nada mais maravilhoso do que a festa que o povo faz na praia, entre show de fogos! É uma festa! Misturam-se todos os tipos de pessoas, pessoas vindas de várias partes do país, de várias partes do mundo, de várias religiões.

Nesse momento, esquece-se de questões ideológicas... Ouvem-se falares diferentes, costumes diferentes, mas todos ficam numa espécie de devaneio, olhando para cima, num encantamento que demora pra passar.

Não pulei sete ondas, porque não estava na praia...

Não vi as mães de santo nas areias, fazendo as cerimônias de Ano Novo...

Não abracei minha gente, porque não é permitido aglomeração...

Não tomei vacina ainda, porque o Brasil ainda não tem vacina, e se tiver vacina, talvez não tenha seringa nem agulha... Brasileiros precisam, urgentemente, encontrar uma nova geração do Zé Gotinha...

Feliz Ano Novo pra nós!

Oremos!



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